O JORNALISMO CULTURAL SE RENDEU AOS APELOS DA INDÚSTRIA

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A "cultura moderna" é feita só de entretenimento?



\\\Julie Melo Braga///
Há 40 ou 50 anos, jornalismo cultural consistia em literatura, teatro, pintura, cinema etc.. A maioria dos jornais brasileiros dedicava de seis a oito de suas páginas ao chamado suplemento literário. Este era dirigido por escritores e não por jornalistas. Os suplementos literários tinham como publicações poemas e contos, críticas e ensaios. Mais importantes do que as figuras eram os textos. Seu foco era a literatura brasileira e, permitindo o debate de ideias, objetivavam a formação cultural do leitor. Opondo-se a isso, os cadernos culturais de agora se especializam em chamar atenção e conquistar sempre mais compradores. Hoje, com a grande quantidade de produtos culturais e sua crescente circulação, mais coisas passaram a fazer parte da cultura. Foi-se o tradicional, destinado a um público dito culto, e chega cada vez mais entretenimento para consumidores da cultura de massa. A diversidade cultural é tanta que a preocupação com a qualidade deixou de ser prioridade para o atual jornalismo cultural.

Cadernos culturais das décadas de 1950 e 1960 eram muito diferenciados. Seus editores e repórteres tinham permissão para imaginar e criar, visto que, por volta de 1965, a censura ainda não havia tomado conta das redações. No entanto, em torno dos anos 1970, teve início uma modificação editorial. Os suplementos passaram a dar mais espaço à indústria cultural, divulgando seus lançamentos. Cada vez menos eram publicados poemas e críticas, além de cair o número de páginas. Como motivos, talvez, podem ser apontados o preço do papel, que subiu, e a adoção, por parte do Jornal do Brasil, de resenhas – prática da imprensa norte-americana –, sendo copiado, em seguida, pelos outros jornais. A resenha atende à indústria cultural, uma vez que expõe seus produtos, indicando-os para a compra ou não. Mas o mercado editorial contagiou estes cadernos com o vírus da semelhança. Grande parte deles não se diferencia em praticamente nada. Todos têm as mesmas regras, os mesmos métodos e, apesar da diversidade cultural, quase as mesmas publicações. Os editores não se preocupam mais em publicar boas matérias (no que se refere à jornalismo cultural), pois estão ocupados demais na disputa pelo "furo". O conceito de cultura é extremamente amplo, mas, segundo os atuais cadernos culturais, não passa da agenda de shows, lançamentos de CDs e livros, televisão, enfim, entretenimento. Afinal é isso que dá lucro.

Em comparação, revistas europeias reservam número de páginas para cultura maior que as brasileiras, e maior parte deste espaço contempla a própria cultura. Além de serem poucas as páginas destinadas à cultura, no Brasil, são raras as revistas culturais. Mas isso tem uma razão. Atualmente, é quase impossível lançar uma revista com este viés no mercado. As agências de publicidade não querem comprar mídia segmentada. Elas preferem revistas que tratem de tudo ou quase tudo, pois, assim, o público é maior. Entretanto, existem revistas culturais como República e Bravo, ambas de São Paulo. A Bravo, por exemplo, não aceita patrocínio de empresas através da lei de incentivo a cultura. Esta lei – também conhecida como Lei Rouanet –, em resumo, tem por objetivo estimular as empresas a investir em cultura, descontando parte de seu imposto de renda. Depois da criação da lei, as empresas perceberam que investir em cultura e em projetos sociais é ótimo para sua imagem diante do público. Infelizmente, muitas empresas apoiam eventos culturais não pela importância que há em fomentar a cultura, mas visando exclusivamente o desconto no imposto de renda, pois é assim que funciona a lei de incentivo. Além disso, elas querem seu nome atrelado a eventos de prestígio, onde haja público de renome e mídia, dando-lhes assim visibilidade. Se, por um lado, as ações culturais conseguiram os recursos necessários para sua viabilização, por outro, as empresas as financiam com interesses econômicos, não reconhecendo o valor da cultura.

A indústria cultural parece ter "fisgado" as pessoas, fazendo com que só se interessem por suas divulgações e produtos. Mas, talvez, este argumento não seja de todo correto, posto que a Câmara Brasileira do Livro revelou que as editoras movimentam de dois a três bilhões de dólares por ano, equiparando-se à indústria de cervejas. No entanto, não se vê propaganda de livros como de cervejas. Outro problema é que o jornalismo cultural brasileiro dá mais importância a culturas estrangeiras. Além de ser maior o espaço dado aos autores e livros estrangeiros do que aos nacionais, na lista brasileira dos livros mais vendidos, 70% são estrangeiros. Fato que nos deixa com uma interrogação na cabeça: por que não priorizar a nossa própria literatura? A verdade é que nós, brasileiros, valorizamos a cultura alheia, achamos mais bonito e de melhor qualidade o que vem de fora e não o que se faz aqui. Não importa tanto o fato de os livros estrangeiros invadirem as nossas livrarias, mas o fato de os nossos livros não ocuparem a parte que lhes é de direito. É preciso consumir a nossa própria cultura.

Apesar de toda a transformação cultural ocorrida nas últimas décadas, ainda é possível encontrar alguns jornais – O Estado de Minas (MG), A Tarde (BA), O Povo (GO) – e revistas – como as supracitadas – que mantêm o espaço dedicado à cultura, a exemplo dos suplementos dos anos de 50 e 60. Há também o jornal Valor, que, apesar de ser a economia sua linha editorial, concede espaço à cultura, pois acredita que ela está inserida na vertente de produtividade e consumo.

Todavia, a maioria dos jornais não tem mais conteudo, mas penduricalhos culturais. Os cadernos dão vez a programações culturais e, numa espécie de "serviço", atendem o público e aumentam seus lucros. A competitividade dos veículos massificou a cultura. Esta, por sua vez, tornou-se mercadoria e entretenimento, não importa o tipo de leitores – massa ou elite. A cultura é colocada como o enfeite do jornal. Não há mais críticas nem debate de ideias, mas descrição de eventos, passatempos e, vez por outra, a opinião de alguém a respeito de um livro ou CD, por exemplo. Hoje, há apenas articulistas e resenhistas ocasionais que, diferente dos críticos especializados, pouco ou nunca estabelecem ligações entre obras atuais e anteriores dos artistas, baseiam-se somente em suas opiniões. E para os textos longos e profundamente analíticos a que se dedicavam os antigos cadernos culturais faltam leitores.

O que temos, atualmente, no jornalismo cultural? Divulgações do que é novo, interessante e de fácil compreensão. Ele se sujeitou à era mercantil, ao capitalismo. A cultura pós-moderna é um grande negócio para a nossa sociedade, preocupada com o corriqueiro e com a informação pura e imediata. Modificou-se a mentalidade dos editores. Eles têm o poder de escolher o que será publicado, mas só publicam aquilo que lhe parecerem financeiramente mais viável. Felizmente, para toda regra, há exceção. Ainda nos restam jornais que preferem o antigo modo de se fazer jornalismo cultural.

Não é reacionarismo. O mundo é dinâmico, a cultura também. As coisas mudam, eu sei. E acho ótimo que seja assim. Então, são poucos os interessados e quase nenhuns os que têm tempo para ler longas discussões filosóficas nos jornais. É bom – mais prático, rápido e interessante – saber qual a sessão do filme a que quero assistir, que show irá acontecer no fim de semana etc.. Mas, se houver uma análise um pouco mais embasada de uma obra, um livro, por exemplo, não quer dizer que não possa haver a agenda cultural da semana, e vice-versa. E que tal, em vez de apenas informar a data de um evento cultural, fazer uma boa reportagem sobre ele? Um pouco mais de conteudo, só isso. Qualifica o jornal e valoriza a cultura.

Fonte das imagens: Google.

1 comentários:

Anônimo disse...

É verdade. Muito da cultura deixa de ser contemplado!

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